Turbulência no ESG - Quando o clima sacode os céus e expõe a fragilidade dos negócios
- Magda Helena Maya
- 12 de set.
- 3 min de leitura

Em uma recente missão técnica empresarial perguntei a uma grande companhia de transporte aéreo de passageiros se já estavam avaliando os riscos sistêmicos e os possíveis impactos financeiros trazidos pelas mudanças climáticas, para além de inventariar emissões ou criar projetos de compensação.
Minha intenção era compreender o quanto a empresa já incorporava o ESG ao core business, considerando a avaliação de riscos de transição para uma economia de baixo carbono, tais como segurança operacional (risco tecnológico), custos de voo (risco de mercado), seguros (risco político e legal), reputação (risco reputacional), além dos riscos físicos evidentes associados à instabilidade atmosférica.
A reação foi protocolar, como se a pergunta fosse “alarmista demais”, e confesso que essa sensação não me surpreende, afinal cientistas que antecipam cenários frequentemente soam “catastróficos” para quem insiste em olhar apenas o presente, mas a verdade é que os fatos sempre chegam.
Meses depois, a revista Galileu estampou a manchete: “Mudanças climáticas aumentam turbulências em voos” repercutindo pesquisa da Universidade de Reading (Reino Unido), publicada no Journal of the Atmospheric Sciences em 2025, que mostra que até 2100 as correntes de jato podem aumentar entre 16% e 27% em relação a 2015, tornando a atmosfera 10% a 20% menos estável, ou seja, ampliando a ocorrência de turbulência em ar limpo (CAT) — aquela invisível, imprevisível e indetectável por radares.
Outro estudo da mesma universidade constatou que os riscos já estão presentes, já que entre 1979 e 2020 as turbulências severas sobre o Atlântico Norte cresceram 55%, portanto é correto afirmar que empresas da aviação precisam incorporar não apenas os riscos climáticos físicos (diretamente ligados à estabilidade atmosférica), mas também todos os demais riscos de transição para uma economia de baixo carbono, conforme apontei no início deste texto.
ESG nasceu para isso
O que impressiona é que ESG ainda seja reduzido a relatórios de marketing ou a projetos pontuais de responsabilidade socioambiental, quando na verdade a sigla foi criada e popularizada no âmbito do mercado financeiro justamente para traduzir riscos climáticos, sociais e de governança em impactos financeiros concretos, ou seja, ESG é antes de tudo sobre sustentabilidade do negócio.
Larry Fink, CEO da BlackRock, foi direto em 2020 ao afirmar que a sustentabilidade seria o “novo padrão de investimento”, defendendo que riscos climáticos precisam ser incorporados em qualquer decisão de portfólio, porém em 2022 a própria BlackRock declarou em seu relatório de Investment Stewardship que apoiaria menos propostas climáticas em assembleias de acionistas, justificando que muitas se tornaram “ativistas em excesso” e sem conexão direta com geração de valor de longo prazo.
O paradoxo é evidente: reconhece-se que as mudanças climáticas trazem risco para os negócios, mas hesita-se ou não se sabe como agir quando isso exige transformações profundas e ações estratégicas.
Risco climático é risco financeiro
No caso da aviação estamos falando de custos operacionais crescentes (mais combustível, manutenção, rotas alternativas), exigências regulatórias mais severas (certificação de aeronaves para turbulências mais intensas), aumento de seguros e passivos jurídicos em casos de acidentes ou falhas de previsão e reputação em jogo quando passageiros e investidores percebem que a empresa ignorou riscos já identificados pela ciência.
E se isso vale para a aviação, vale também para energia, alimentos, infraestrutura, tecnologia ou qualquer setor que dependa de clima estável, ecossistemas resilientes e sociedades saudáveis.
Hora de reposicionar o ESG
É urgente trazer a sustentabilidade para o coração da gestão, integrando finanças, meio ambiente, estratégia, pessoas e operações sob liderança direta da alta direção, pois somente depois disso faz sentido traduzir as ações em comunicação de marketing, já que ESG está muito mais ligado à ética do que à estética (com a devida licença poética pois sei que marketing está para muito além da estética, mas não tem como fazer tudo sozinho) e deve ser entendido como sustentabilidade do negócio, capaz de gerar segurança e credibilidade junto à sociedade.
Afinal, mudanças climáticas, perda de biodiversidade e exclusão social são riscos reais de mercado, com potencial de abalar balanços, destruir valor e acelerar crises, portanto a questão não é se isso vai custar caro, mas quanto você está disposto a perder por não antecipar o óbvio.
E asseguro a você que chegou até aqui que métodos e métricas adequadas já existem, assim como também é possível inovar e criar soluções verdadeiramente sustentáveis (para a sociedade e para o negócio) inspirando-se na própria tecnologia da natureza, mas esse será o tema de um próximo artigo.
Dra. Magda Maya
Geocientista da Sustentabilidade 4.0 e Estrategista em Sustentabilidade
Fundadora da Beeosfera University – Sustentabilidade 4.0
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